Michel Serres, filósofo francês, relata uma metáfora muito potente para expressar a força da cultura e a generosidade da partilha para nos tornarmos verdadeiramente humanos. O filósofo francês diz assim: "Se você tem um pão e eu tenho um euro, e eu uso meu euro para comprar seu pão, no final da troca eu terei o pão e você o euro. Parece um equilíbrio perfeito, não? A tem um euro, B tem um pão; depois, A tem o pão e B o euro. É uma transação justa, mas meramente material. Agora, imagine que você tem um soneto de Verlaine ou conhece o teorema de Pitágoras, e eu não tenho nada. Se você me ensinar, no final dessa troca, eu terei aprendido o soneto e o teorema, mas você ainda os terá também. Nesse caso, não há apenas equilíbrio, mas crescimento. No primeiro, trocamos mercadorias. No segundo, compartilhamos conhecimento. E enquanto a mercadoria se consome, a cultura se expande infinitamente."
Esse texto me impactou enormemente! Sou professora por paixão, professora por uma necessidade absurda de partilhar, acima de tudo, professora de literatura, porque essa brasa que arde em cada página, cada história ou verso sentido na carne ou devaneado, nos prende e liberta, nos rasga e costura, nos queima e alenta. Nos humaniza.
Estamos nos desconectando da expansão infinita proporcionada pela cultura? Viraremos cifras, números e seres consumidores, clientes, seguidores definidos apenas por quanto podemos pagar por um pão ou um carro? Bem, segundo dados da 6ª edição da "Retratos da Leitura no Brasil", nos últimos quatro anos o país perdeu 6,7 milhões de leitores A pesquisa também aponta que 53% dos entrevistados não leram nem mesmo parte de uma obra nos três meses anteriores à pesquisa. Isso me assusta, entristece. Talvez o dinheiro dê apenas para comprar o pão, e os olhos estejam apenas com tempo para vitrines e telas?
No entanto, mais do que ficar apontando causas e culpados, volto a mim mesma e me questiono?Será que temos dividido nossos tempo, atenção e olhos de forma ? Repartido nosso pão de luz conversando sobre as páginas que nos encanta ou assombra? Temos declamado poemas? Ouvido slams? Frequentado saraus? Contado ou inventado histórias bobas? Quanto lemos para nossos filhos e netos dormirem e sonharem com fadas e sacis? Uma criança só abre uma página quando ela pode se abrir nos braços e colo de um adulto, no pulsar de coração para coração, no brilho dos olhos ao descortinar aventuras, sustos e alegrias de mentirinha, mas contendo grandes verdades.
Depois de já ter andada um bom trecho nessa longa estrada da vida, permaneço acreditando que a beleza do conhecimento repartido de graça é capaz de transformar alguém, que livros são capazes de fazer esticar nossa imaginação, fazer com que o nosso olhar enxergue as miudezas enormes e que nossos braços podem alcançar além das nuvens!
Manoel de Barros me sussurra lembrando que o olho vê, a lembrança revê e a imaginação transvê, que é preciso transver o mundo. Manuel Bandeira me apregoa que posso ser rei-rainha lá em Pasárgada, Carolina Maria de Jesus me assegura que o Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. Eduardo Alves da Costa me convida a andar no caminho com Maiakóvski para aprender que os versos nos fazem corajosos. E tantas e tantas vozes bonitas para se escutar?
A cada saber-saboroso repartido, podemos ser mais ricos, mais luminosos, mais gente. E você, já ficou mais rico hoje? Já partilhou pão, poesia e tudo o mais que não pode ser vendido?
Prazer, sou Vera Lúcia Ravagnani, eu conto histórias e ajudo pessoas a contarem suas
próprias histórias em verso ou prosa.